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Suposto cão é resgatado no RS e descobrem se tratar de híbrido raro f4z64

Fernanda Toigo

Fernanda Toigo

Fotos: Flávia Ferrari / Thales Renato Ochotorena de Freitas / Bruna Elenara Szynwelski

Escura e com poucos pelos brancos, uma criatura semelhante a um cão doméstico foi socorrida após ser atropelada em 2021 no município de Vacaria, Rio Grande do Sul.

Num primeiro momento, a Patrulha Ambiental da cidade identificou o animal como um canídeo selvagem de alguma espécie de graxaim. O mamífero, então, foi levado ao Hospital Veterinário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pois tinha uma extensa lesão na lateral do abdômen.

Após se recuperar completamente, a fêmea foi estudada por pesquisadores, que descobriram algo impressionante: ela era, na verdade, um híbrido de cachorro doméstico com canídeo silvestre, um cruzamento que nunca havia sido relatado na América do Sul.

A equipe de especialistas descreveu o acontecimento em 3 de agosto em um estudo no periódico Animals. A pesquisa é de autoria de Bruna Szynwelski, Cristina Matzenbacher, Thales de Freitas, Flávia Ferrari e Marcelo Alievi, da UFRGS; e Rafael Kretschmer, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

O resgate do animal misterioso

Quando o mamífero chegou ao Centro de Conservação e Reabilitação de Animais Silvestres (Preservas) da UFRGS, a médica veterinária residente Flávia Ferrari notou que ele tinha características físicas incompatíveis com as espécies de graxaim de ocorrência no estado. Então, ela suspeitou se tratar de um cachorro.

A fêmea foi transferida para o canil do mesmo hospital. Após alguns dias, o veterinário responsável entrou em contato com Ferrari dizendo que o suposto cachorro não estava se alimentando com a comida usual de cães, nem apresentava o comportamento esperado desse tipo de animal. Além disso, ele considerou que a fêmea tinha uma aparência incomum para um cão doméstico.

“Neste momento, os veterinários decidiram dar pequenos ratinhos ao animal, visto que é um alimento comum e de grande aceitação para graxains”, relata a GALILEU por e-mail Bruna Szynwelski, doutoranda em genética e biologia molecular na UFRGS. “O animal se alimentou dos ratinhos na mesma hora.”

Investigação do cruzamento

Com isso, a fêmea foi novamente transferida ao setor de reabilitação de animais silvestres. O professor Marcelo Alievi, do Hospital Veterinário da UFRGS, entrou em contato com o professor Thales de Freitas, do Departamento de Genética, para investigar a ancestralidade do animal e definir sua identidade taxonômica.

Utilizando marcadores genéticos e citogenéticos, os especialistas encontraram evidências na fêmea de uma mistura entre um graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus) e um cão doméstico (Canis lupus familiaris).

No Rio Grande do Sul, existem quatro espécies de canídeos; mas nenhum deles tem a aparência escura e com poucos pelos brancos do indivíduo atropelado em Vacaria. Só pelo visual distinto dele, os pesquisadores já suspeitavam que se tratava de um híbrido de cachorro doméstico e canídeo silvestre.

Para averiguar isso, a equipe colheu amostras de pele e sangue da fêmea depois de uma sedação. A linhagem mitocondrial, que é herdada somente pela mãe, revelou uma ascendência materna de graxaim-do-campo.

Conforme explica Rafael Kretschmer, professor do Departamento de Ecologia, Zoologia e Genética na UFPel, após a divergência entre espécies, cada uma segue seu próprio rumo evolutivo, podendo acumular mutações. Isso inclui alterações cromossômicas, que mudam a forma e o número dos cromossomos.

O graxaim-do-campo e o cão doméstico têm forma e número semelhantes dessas estruturas: são encontrados nesses animais 74 e 78 cromossomos, respectivamente. “Embora essas espécies tenham divergido há cerca de 6,7 milhões de anos e pertençam a gêneros diferentes, parece que poucas alterações ocorreram em seus materiais genéticos, o que possibilita a hibridização”, conta o professor.

Como parte da investigação, os pesquisadores também coletaram 1.112 fotografias da rede de dados de biodiversidade INaturalist. Ao analisar as imagens, a equipe não encontrou graxains-do-campo com a mesma cor da pelagem da fêmea achada em Vacaria. A análise também indicou que o animal tinha características que não poderiam ser associadas a nenhuma espécie conhecida de canídeo com distribuição no Brasil.

Os perigos da hibridização

A descoberta da fêmea híbrida preocupa os pesquisadores em relação à conservação dos canídeos silvestres da América do Sul – principalmente no que diz respeito às espécies de Lycalopex. Conforme explica a equipe em seu estudo, a hibridização com o cachorro doméstico “pode ter efeitos nocivos sobre as populações de graxains-do-campo devido ao potencial de introgressão e transmissão de doenças pelo cão doméstico”.

O graxaim-do-campo, segundo os pesquisadores, “é suscetível ao coronavírus, parvovirose, cinomose e brucelose, doenças associadas aos ambientes antrópicos onde cães vivem”.

Outro problema é que a pelagem do graxaim é muito parecida com a de seu habitat, enquanto o animal híbrido tinha pelo bem escuro, contrastando com a coloração típica da espécie. Isso significa que a criatura híbrida poderia ter dificuldades de adaptação e sobrevivência.

No caso relatado, a fêmea de Vacaria sobreviveu ao atropelamento por sorte. Após todas as descobertas, e a critério da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, o animal foi encaminhado a um zoológico: o Mantenedouro São Braz, localizado em Santa Maria.

Porém, ao entrarem em contato com o Mantenedouro em agosto de 2023 para solicitar fotos atuais do híbrido, os pesquisadores receberam uma notícia triste: o animal morreu havia cerca de seis meses. Até o momento, não há mais informações sobre o ocorrido.

Preocupações

Para proteger a conservação das espécies de canídeos, os pesquisadores defendem o manejo genético de híbridos interespecíficos. Os profissionais também esperam esforços para investigar a frequência de hibridização e os impactos desse evento.

Segundo Kretschmer, a equipe acredita que o cruzamento de graxaim com cão doméstico seja raro. Porém, talvez o caso relatado não seja o único, já que havia outros registros fotográficos de animais parecidos com o indivíduo híbrido.

Para evitar a hibridização entre o cachorro e o graxaim-do-campo, Szynwelski sugere a criação de medidas efetivas de impedir a presença de cães em unidades de conservação. “Além disso, é necessário que as pessoas mantenham distância dos animais silvestres; eles são capazes de encontrar seu próprio alimento. E, caso algum filhote de animal silvestre seja encontrado, os órgãos ambientais devem ser acionados”, acrescenta a especialista.

(Por Vanessa Centamori/Nathalie Provoste – Galileu)

Autor: Fernanda Toigo

Fernanda Toigo s1k6

Fernanda Toigo. Jornalista desde 2003, formada pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel. Iniciou sua carreira em veículos de comunicação impressos. Atuou na Assessoria de Comunicação para empresas e eventos, além de ter sido professora de Jornalismo Especializado na Fasul, em Toledo-PR. Em 2010 iniciou carreira no telejornalismo, e segue em atuação. Desde 2023 integra a equipe de Jornalismo do Portal Sou Agro. Possui forte relação com o Jornalismo especializado, com ênfase no setor do Agronegócio.

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